segunda-feira, 9 de março de 2009

A Harmonia na Diferença

Gosto muito da forma e dos textos que Danuza Leão produz. Acho uma escrita doce, sagaz, acolhedora e, sobretudo realista. Ela escreve sobre a vida cotidiana e sobre relacionamentos, temas sobre os quais também gosto de refletir e sempre que o faço fico com a impressão de que temos dado muito mais importância para coisas simples, básicas e pouco relevantes, e esquecido daquilo que é essencial. Esbanjamos-nos desesperadamente com as cascas e pouco sentimos o doce da polpa. Alimentamos o corpo e esquecemos da alma.

Trouxe um texto agradável, mas um pouco polêmico, para quebrar as deferências que fiz às mulheres nos últimos dias e mudar o foco das reflexões, apesar de admirar demais aquelas que nos tornam grandes. Estranho é constatar que mudar sempre gera um estresse, muitas vezes ruim, mas benéfico para aquelas pessoas que carregam uma inquietude no peito.

Quando nos propomos a fazer algo diferente, parece-me que as dificuldades criadas são tantas e os obstáculos se potencializam diante do novo, que nos falta energia a ponto de desistirmos, simplesmente por ser algo novo.

Um novo relacionamento, um novo trabalho, um novo desafio, uma nova idéia, trazem consigo uma teia emaranhada de complexos e complicações, advindos de nós mesmos e das pessoas próximas. A famosa dúvida, que se sobrepõe e sufoca a nossa capacidade de realização. Será que temos em nosso DNA um “freio de mão” que nos delimita a sermos pequenos?

Danuza estimula, nesta obra, a reflexão sobre uma pequena, mas importante, passagem nos relacionamentos, descrito agora, mas presente também há 50 anos e provavelmente projetado à frente. Um sentimento que se multiplica pelas gerações e se mantém vivo, imortalizado. Um exemplo dos fantasmas internalizados em nós próprios e que nos faz perguntar: vale a pena um novo? Neste caso em especial, um novo relacionamento...

A harmonia na diferença
Danuza Leão


Se eu morrer você vai casar de novo?” Só uma mulher é capaz de fazer esse tipo de pergunta, e a resposta tem que ter vários, mas vários “nãos”, misturados com milhões de beijos e seguidos da frase: “Ficou louca?”. Sinceramente: você já ouviu falar de algum homem que, mesmo de brincadeira, tenha feito alguma pergunta parecida com essa? É claro que não.

Ah, as mulheres... Elas querem provas de amor eterno o tempo todo, mesmo depois da morte. Passam a vida testando os pobres dos homens para saber se eles gostam mais delas ou da mãe, ou do barco, ou do carro novo, ou do Flamengo, ou – sutilmente – dos filhos.

Se ele não lembrou que hoje faz oito anos e 17 dias daquela tarde de chuva em Paris em que se abrigaram debaixo da marquise para se beijar – e não mandou flores, como homenagem à data –, é um sinal claro de que o amor (dele) acabou. Se num incêndio, no meio das labaredas, não lembrar que precisamente naquele dia, 15 anos atrás, falaram pela primeira vez em casamento, ela é capaz de se jogar da janela ou – pior – de amarrar uma bela tromba por dias seguidos. Isso se tiverem a sorte de escapar com vida, o que, no caso, talvez não seja o melhor negócio.

Ah, as mulheres... Se quando ela entrar no carro ouvir um CD que não tem nada a ver com a história de amor dos dois, é sinal de que alguma coisa não anda bem, e mais: a prova de que existe uma história rolando com outra.

Se for a fita de Caetano cantando em espanhol e ele cantarolar LA BARCA sabendo a letra todinha de cor, me diga: é ou não é prova evidente de traição?Já os homens são diferentes. No caso inverso, são capazes de dizer, numa boa: “Parece que você adivinhou, eu estava louco para comprar essa fita”. É possível ter uma relação com alguém de cuca tão fresca? Claro que não. Ah, esses homens...

Quando uma mulher vê o seu de gravata nova e caprichando na frente do espelho, já fica com a pulga atrás da orelha: “Aí tem”, é o mínimo que pensa. Já o homem, quando vê sua mulher lindona, de salto alto e corte de cabelo novo, convida logo para jantar fora, feliz de poder exibir a mulher, que, para ele, é a mais linda do mundo. Difícil a harmonia entre esses dois seres tão diferentes. Difícil, mas não impossível.

Ele bem que tenta, mas, se chega em casa com um ramalhete de flores, ela pensa: “Alguma andou aprontando”. Se propõe uma viagem, nunca ouve um sim logo de cara. As crianças vão entrar em provas, a casa precisa de uma reforma, talvez seja a hora de trocar de carro. E, quando concorda, começa a discussão sobre o roteiro. Atravessar Portugal e Espanha de carro, nem pensar. Tem que ir a Paris ver as modas, conhecer a ala nova do Louvre, contar que St. Germain não está com nada, que o único lugar onde se pode ficar agora é no Marais.

Ele às vezes pensa em como seria feliz se pudesse viajar com dois amigos só para dizer uma porção de bobagens, esticar o almoço às vezes até 5, 6 da tarde, exagerar no vinho apenas para se sentir bem livre, não ter que reservar um restaurante e chegar na hora marcada com a mulher do lado contando de todas as compras que fez. Mas e a coragem?

2 comentários:

Juliana Saito disse...

É uma pena que muitas vezes os relacionamentos se transformam em "fantasmas" na vida das pessoas pelo fato de as delimitarem a tal ponto de perderem a coragem para fazerem aquilo que querem a fim de manter as aparências, ou a postura para quem preferir, do que a sociedade prega como tradicional na vida a dois.
Escutamos o tempo todo as pessoas falando que o próximo relacionamento que tiverem será super moderno, onde a individualidade do casal será preservada, além de muitas outras promessas que são feitas em vão... Só posso concluir que estamos deixando de lado alguns valores que não estão nos permitindo construir relações de confiança e cumplicidade, e sem querer acabamos criando o "paradoxo das relações modernas".
Eu ainda prefiro acreditar e viver das palavras de Fernando Pessoa: "tudo vale a pena quando a alma não é pequena"...
Bjs, Ju Saito

Armando disse...

Obrigado pelo comentário e temos que reforçar que quando se fala de relacionamentos e de amor, não existem regras ou modelos prontos a serem seguidos. Cada um escreve a sua própria história!!