Gosto muito da forma e dos textos que Danuza Leão produz. Acho uma escrita doce, sagaz, acolhedora e, sobretudo realista. Ela escreve sobre a vida cotidiana e sobre relacionamentos, temas sobre os quais também gosto de refletir e sempre que o faço fico com a impressão de que temos dado muito mais importância para coisas simples, básicas e pouco relevantes, e esquecido daquilo que é essencial. Esbanjamos-nos desesperadamente com as cascas e pouco sentimos o doce da polpa. Alimentamos o corpo e esquecemos da alma.
Trouxe um texto agradável, mas um pouco polêmico, para quebrar as deferências que fiz às mulheres nos últimos dias e mudar o foco das reflexões, apesar de admirar demais aquelas que nos tornam grandes. Estranho é constatar que mudar sempre gera um estresse, muitas vezes ruim, mas benéfico para aquelas pessoas que carregam uma inquietude no peito.
Quando nos propomos a fazer algo diferente, parece-me que as dificuldades criadas são tantas e os obstáculos se potencializam diante do novo, que nos falta energia a ponto de desistirmos, simplesmente por ser algo novo.
Um novo relacionamento, um novo trabalho, um novo desafio, uma nova idéia, trazem consigo uma teia emaranhada de complexos e complicações, advindos de nós mesmos e das pessoas próximas. A famosa dúvida, que se sobrepõe e sufoca a nossa capacidade de realização. Será que temos em nosso DNA um “freio de mão” que nos delimita a sermos pequenos?
Danuza estimula, nesta obra, a reflexão sobre uma pequena, mas importante, passagem nos relacionamentos, descrito agora, mas presente também há 50 anos e provavelmente projetado à frente. Um sentimento que se multiplica pelas gerações e se mantém vivo, imortalizado. Um exemplo dos fantasmas internalizados em nós próprios e que nos faz perguntar: vale a pena um novo? Neste caso em especial, um novo relacionamento...
A harmonia na diferençaDanuza Leão
Se eu morrer você vai casar de novo?” Só uma mulher é capaz de fazer esse tipo de pergunta, e a resposta tem que ter vários, mas vários “nãos”, misturados com milhões de beijos e seguidos da frase: “Ficou louca?”. Sinceramente: você já ouviu falar de algum homem que, mesmo de brincadeira, tenha feito alguma pergunta parecida com essa? É claro que não.
Ah, as mulheres... Elas querem provas de amor eterno o tempo todo, mesmo depois da morte. Passam a vida testando os pobres dos homens para saber se eles gostam mais delas ou da mãe, ou do barco, ou do carro novo, ou do Flamengo, ou – sutilmente – dos filhos.
Se ele não lembrou que hoje faz oito anos e 17 dias daquela tarde de chuva em Paris em que se abrigaram debaixo da marquise para se beijar – e não mandou flores, como homenagem à data –, é um sinal claro de que o amor (dele) acabou. Se num incêndio, no meio das labaredas, não lembrar que precisamente naquele dia, 15 anos atrás, falaram pela primeira vez em casamento, ela é capaz de se jogar da janela ou – pior – de amarrar uma bela tromba por dias seguidos. Isso se tiverem a sorte de escapar com vida, o que, no caso, talvez não seja o melhor negócio.
Ah, as mulheres... Se quando ela entrar no carro ouvir um CD que não tem nada a ver com a história de amor dos dois, é sinal de que alguma coisa não anda bem, e mais: a prova de que existe uma história rolando com outra.
Se for a fita de Caetano cantando em espanhol e ele cantarolar LA BARCA sabendo a letra todinha de cor, me diga: é ou não é prova evidente de traição?Já os homens são diferentes. No caso inverso, são capazes de dizer, numa boa: “Parece que você adivinhou, eu estava louco para comprar essa fita”. É possível ter uma relação com alguém de cuca tão fresca? Claro que não. Ah, esses homens...
Quando uma mulher vê o seu de gravata nova e caprichando na frente do espelho, já fica com a pulga atrás da orelha: “Aí tem”, é o mínimo que pensa. Já o homem, quando vê sua mulher lindona, de salto alto e corte de cabelo novo, convida logo para jantar fora, feliz de poder exibir a mulher, que, para ele, é a mais linda do mundo. Difícil a harmonia entre esses dois seres tão diferentes. Difícil, mas não impossível.
Ele bem que tenta, mas, se chega em casa com um ramalhete de flores, ela pensa: “Alguma andou aprontando”. Se propõe uma viagem, nunca ouve um sim logo de cara. As crianças vão entrar em provas, a casa precisa de uma reforma, talvez seja a hora de trocar de carro. E, quando concorda, começa a discussão sobre o roteiro. Atravessar Portugal e Espanha de carro, nem pensar. Tem que ir a Paris ver as modas, conhecer a ala nova do Louvre, contar que St. Germain não está com nada, que o único lugar onde se pode ficar agora é no Marais.
Ele às vezes pensa em como seria feliz se pudesse viajar com dois amigos só para dizer uma porção de bobagens, esticar o almoço às vezes até 5, 6 da tarde, exagerar no vinho apenas para se sentir bem livre, não ter que reservar um restaurante e chegar na hora marcada com a mulher do lado contando de todas as compras que fez. Mas e a coragem?